Inserido na Secção Ensaios, do festival Caminhos do Cinema Português, o filme Somos Dois Abismos, de Kopal Joshi, é exibido hoje, pelas 17h0, no Teatro Académico Gil Vicente (TAGV), em Coimbra e às 19h00, no Cine-Teatro Turim, em Lisboa. Na antecâmara das sessões, o estudante de 17 anos, Vasco Andrade, trouxe a sua análise crítica a este filme e partilha a sua paixão pelo cinema.

Somos Dois Abismos, Kopal Joshi

 

Somos Dois Abismos é um filme construído a partir da voz. Não é um filme de frases feitas para serem lembradas. Nada disso. É um filme que entra devagar, mas que fica ali, a fazer eco. Daqueles que não acabam com os créditos.

Surge a voz de um velho. Uma voz que tenta comunicar com quem já não está. Uma voz que treme, num inglês dito com esforço. Uma tentativa de atravessar não só a língua, mas o tempo. Cada palavra parece escolhida com cuidado. O velho sabe que já não tem muitas para gastar. A certain day, I am going to die myself, but in this moment I can not tell her goodbye.”.

As cartas lidas vão-se transformando numa prosa poética que guia a narrativa. A escrita deixa de ser um meio de comunicação. Passa a ser uma forma do velho respirar. As palavras deixam de querer explicar tudo e passam apenas a existir. Nos instantes em que a tela escurece, o filme atinge o seu auge. Só ficam as vozes. O silêncio visual abre espaço para que a linguagem se revele o elemento principal.

Mais à frente, há um riso. Um risinho pequeno, quase infantil, depois de uma palavra feia. Essa pausa é um milagre, um sopro de humanidade que rasga a densidade do filme. Naquele momento, a vida devolveu-lhe um momento de leveza contra o peso da sua solidão, do seu luto.

No fim, Somos Dois Abismos deixa-me a certeza de que é precisamente este tipo de cinema que mais me fascina. Aquele em que a palavra se ergue como protagonista. É nisso que este filme ganha força. Torna-se capaz de nos lembrar que, mesmo diante do abismo, ainda podemos falar, ainda podemos escrever, ainda podemos existir.