Inserido na Secção Ensaios, do festival Caminhos do Cinema Português, o filme "Porque Hoje é Sábado", de Alice Guimarães, é exibido hoje, pelas 21h30, no Teatro Académico Gil Vicente (TAGV), em Coimbra. Na antecâmara da sessão, o estudante de 17 anos, Vasco Andrade, trouxe a sua análise crítica a este filme e partilha a sua paixão pelo cinema.

“Porque Hoje é Sábado”, Alice Guimarães

O pó assenta em toda a parte. Mas há um pó mais traiçoeiro, aquele que se instala nas expectativas. É um pó antigo, herdado, tão fino que mal se vê, mas tão presente que ainda hoje marca quem limpa, quem organiza, quem segura o mundo sem que o mundo repare. É difícil aceitar que, no tempo em que vivemos, ainda haja casas onde esse pó decide sempre pousar primeiro sobre os ombros das mulheres.

A protagonista avança pela casa à procura de uma fresta de luz num corredor sempre a escurecer. Qualquer tentativa de se encontrar — um caderno aberto, um passo de dança solto, um sopro de silêncio — nasce já frágil, com o fim marcado. Ela tenta ouvir a sua voz, mas o mundo nem a deixa sussurrar.

Portas batem, vozes chamam, tarefas levantam-se como sombras que lhe pisam os calcanhares. E assim, no instante em que a criatividade começa a acender uma luz, alguma força bruta do quotidiano sopra e apaga a chama ainda tímida. O que poderia ser liberdade evapora-se antes de ganhar forma, deixando-a suspensa num eterno quase. Quase paz, quase encontro, quase voo.

A animação, com uma leveza ingénua, torna-se veículo para chegar ao que é real sem se deixar esmagar pelo seu peso. Cada movimento, cada traço, fala de dores e contradições que a vida insiste em disfarçar. É absurdo que se continue a normalizar a atribuição natural de certas tarefas às mulheres. Ao menos, enquanto isso acontece, que sejam feitos filmes destes: testemunhos dessa realidade, que justificam cada olhar.

Por ironia do destino, escrevo este texto num sábado, e só agora me apercebo da sorte que tenho em poder fazê-lo.

O festival Caminhos do Cinema Português decorre de 15 a 22 de novembro, nas cidades de Coimbra, Lisboa (Cine-Teatro Turim, Benfica), Mealhada e Penacova. Podes ver as sessões do festival aqui