É uma quinta-feira de manhã e Diogo Piçarra recebeu-nos no seu estúdio. O cantor de 33 anos lançou recentemente o álbum SNTMNTL e prepara-se para os concertos de apresentação no Porto, na Super Bock Arena, dia 13 de abril, e em Lisboa, no Sagres Campo Pequeno, dia 20. Em entrevista à FORUM, revela o processo por trás do novo álbum, algumas das suas inspirações e o que os fãs podem esperar nos espetáculos que aí vêm.  
 


SNTMNTL surge cinco anos após o teu último álbum de originais South Side Boy. Podes explicar-nos o processo de criação por trás deste álbum? 

Lembro-me que foi na altura em que eu estava já a compor o tema “Sorriso”. Nessa altura comecei a experimentar esse tipo de sonoridades mais eletrónicas. No caso dessa canção, é mais deep house e, a partir daí, começaram a surgir mais ideias do género. Comecei a explorar mais eletrónica também noutros estilos, como o garage. O drum and bass também já faz parte da minha vida há alguns anos, desde que conheci os Karetus. Entre outros estilos, o Future Bass também está neste disco. Ou seja, acho que o processo criativo foi essencialmente buscar sons, como podes ver aqui no estúdio com todas as máquinas e não só. Com os programas, tentei investir mais e aprender como produtor. Demorei cerca de dois anos e meio nessa busca. Depois é também a procura da lírica para encontrar alguns temas diferentes, maneiras diferentes de falar do amor. Procurar algumas temáticas mais autocríticas que eu ainda não tinha abordado ou até mesmo falar sobre insegurança minhas, como é o caso da primeira canção do álbum, “Sentimental”. 

Ou seja, existe dualidade, este disco é e foi uma pesquisa, não só sonora, mas também lírica. E depois, no final de tudo, é ter umas 30 maquetes e tentar escolher as que combinam melhor entre elas. E aí surgiu o disco SNTMNTL, que tem o nome graças à primeira canção. 

 

 

Quais são os temas que exploras ao longo do álbum? 

Se calhar, onde saí mais da minha zona de conforto foi com o tema “Não te odeio”. Basicamente, já tinha alguns versos escritos sem música, mas tinha essa ideia apontada no telefone. Queria tentar explorar a ideia de que, na indústria, e não só, temos pessoas à nossa volta que não nos fazem falta, seja  por falsidade, seja por desilusões, seja por alguns comportamentos…. Não tem necessariamente a ver com relações amorosas, também amizades. Tinha só uns pequenos versos parecidos aos que tenho na música tipo “o mundo está cada vez mais falso”, “será que eu estou a ficar mais velho?”. Coisas assim. Até que um dia conheci o Tom, um produtor inglês que veio a Portugal, que começou a tocar umas notas e comecei a lembrar-me de versos que já tinha escrito, fui ao telefone e desenvolvi mais a ideia da letra. 

Em músicas como a “Sentimental”, abordo a temática da insegurança de todos os dias, de me auto-sabotar ou tentar, de certa forma, não me sentir bem como cantor em certas alturas na minha vida. Depois, de repente, fico totalmente confiante. Vou para a cama e penso que sou o pior produtor do mundo e o pior cantor do mundo. Depois quando acordo penso “porque estás a dizer isso? Com todo o trabalho que já fizeste”. Ou seja, a música aborda este tipo de temáticas e é por isso que eu digo “Hoje acordei sentimental, mas não é de hoje”. É quase todos os dias. 

Há outras músicas, como a “Adeus”, onde abordei, a temática de dedicar uma canção a alguém que está prestes a partir. E acontece a muita gente esse tipo de situações, infelizmente. Ou o tema “Sorriso”, onde eu abordo a temática de o sorriso que temos diariamente não querer dizer que estejamos felizes. Resumidamente, o SNTMNTL aborda este tipo de emoções, de sentimentos. E, claro, o amor está lá também bem presente. 

 

 

 

Trazes sempre essa componente mais pessoal para os álbuns? 

Sim, sem dúvida, neste ainda mais acho eu. Já começava a abordar isso no terceiro disco, em músicas como a “Normal”, em que eu abordava essa temática, tipo, “às vezes só queria ser normal”. E, de facto, neste disco acho que consegui um espectro ainda maior das minhas emoções. 

Depois da participação no Ídolos, sempre houve o interesse em colaborar com o Pedro Abrunhosa, que já disseste no passado ser para ti um amigo e mentor? 

Nunca foi uma obrigação. Acho que surgiu de forma natural. Foi das primeiras maquetes que fiz neste estúdio, o ano passado, em Fevereiro. Houve uma infiltração e a sala estava alagada, o que me obrigava a trabalhar numa salinha ali, numa mesa de piquenique. Aí começaram a surgir os primeiros acordes da canção “Amor de Ferro”. Nem tinha nome ainda. Tinha só uns pequenos versos e só quando eu acabei nessa noite de trabalhar na maquete é que pensei “epá, isto é som à Pedro Abrunhosa”. Já tinham passado onze anos desde que o conheci, ou seja, até aqui nunca tinha pensado ou sequer abordado o Pedro para isso. Sempre fomos colegas de profissão, amigos. Na altura do Ídolos, ele era jurado e, acima de tudo, um mentor. Ninguém tinha um mentor atribuído. O Pedro é que fazia esse papel e criticava-me construtivamente nesse sentido. Depois, ao longo dos anos, fomos cantando nos concertos um do outro, mas nunca surgiu essa conversa de fazermos uma música. Depois, quando a maquete já estava mais ou menos feita, abordei o Pedro e, quando lhe disse que se chamava “Amor de ferro”, deixei-o curioso para ouvir a canção. Em poucas semanas já tínhamos a música gravada e só faltava mesmo o verso dele.  


 

 

«Se calhar, onde saí mais da minha zona de conforto foi com o tema 'Não te odeio'»

 

 


Como surgem as colaborações com nomes emergentes da música portuguesa como Van Zee, jüra e Frankieontheguitar? 

Acho que na música não temos de fazer colaborações com quem nos identificamos mais ou com quem está na mais na berra. Aqu,i eu jogo sempre com o lado da emoção. O que é que a música pede? Em relação ao Pedro não teve a ver com o nome dele. Como o instrumental era assim mais melancólico, achei que a voz e a letra dele ia acrescentar muito e acrescentou. Em relação a outros nomes, são pessoas que gosto de ouvir e a quem imediatamente envio uma mensagem só para ficar registado. Tipo “olha, gostei muito de te ouvir e um dia espero vir a trabalhar contigo”. Aconteceu com diversas pessoas. Como o Frankie, a jüra, a Isaura, a April Ivy... Ou seja, sempre fui para o que a música me pedia e não necessariamente pelo nome da pessoa. 

E muitas das músicas correram bem, porque acho que foi a química que falou mais alto. 

Quais são os artistas que ouviste ao longo dos anos e te inspiraram? 

Se eu tiver de resumir todos os anos da minha vida, sem dúvida os Coldplay. Acho que foram uma grande inspiração. Os Linkin Park, numa fase mais conturbada assim da juventude  Hoje em dia, já sou um bocadinho mais eclético e obrigo-me a ouvir tudo, músicas de todos os gostos e estilos. Mas antigamente eram estas as minhas inspirações. 

 

 

Qual sentes que está a ser a resposta a este novo álbum? 

Está a ser a resposta que eu esperaria. Acho que entenderam tudo o que eu queria a exprimir, não só com a música, mas também com o visual e com as letras. Ou seja, eu acho que as pessoas perceberam todo o trabalho envolvido, não só de produção, mas também de escrita, de busca pessoal. Quando faço música gosto da sensação de receber comentários como “parece que leste a minha mente” ou “parece que estavas aqui ao lado” ou “sabias como é que como é que eu me sentia”. Isso é o melhor elogio que qualquer compositor ou qualquer cantor pode receber.  Se calhar, este disco foi o trabalho onde eu recebi mais esse tipo de mensagens. 

O que podem esperar os fãs nestes dois primeiros concertos da Tour SNTMNTL

 Acima de tudo, os convidados. Os que fazem parte do disco e não só. O Frankie, o Van Zee, a jüra, o Pedro Abrunhosa também. Todos os que fazem parte do disco vão estar presentes e vamos ter outras surpresas, não estão todos no cartaz. É um concerto de apresentação do disco, ou seja, vou ter muitas músicas nestas duas noites que não vou ter no resto do Verão. Vou tentar cantar a maior parte do disco e depois, no Verão, vou compactar mais o concerto. Vão ser 2 concertos únicos em termos musicais e em termos visuais também. Vou ter finalmente um cenário que adoraria ter o ano passado, mas que ainda não estava completamente funcional. Mas agora, neste concerto, vamos ter um cenário mais robótico e futurista. Estou muito ansioso também porque vão ser essas as únicas noites que eu vou usar o cenário a 100%, que depois na estrada vai ser igualmente compactado. 

 


 «Quando faço música gosto da sensação de receber comentários como 'parece que leste a minha mente' ou 'parece que estavas aqui ao lado' ou 'sabias como é que como é que eu me sentia'»

 

Qual é a tua rotina antes de um de um concerto como este? Tens alguma espécie de ritual?

O ritual é mesmo aquecer. Mais ou menos uma meia hora antes do concerto, coloco uns vídeos no YouTube de aquecimento de voz e é quase uma obrigação aquecer e estar um bocadinho sozinho para me concentrar. Às vezes, é quase impossível, com gente no camarim ou malta a fazer os últimos ajustes. Estou tipo a aquecer, a vestir-me e a falar ao mesmo tempo. A tirar fotos e a posar, ou seja, já é quase uma mistura de tudo.  

Às vezes, dou uma pequena corrida atrás do palco ou no espaço que existe no camarim, por vezes com bailarinos dou uma corrida. Às vezes, parecemos uns malucos aos saltos e a correr. Parece que vamos entrar num jogo de futebol (risos)., Mas é também uma forma de descontração e de preparar o corpo para o que aí vem: uma hora e meia de cardio. E basicamente é isso. É mais físico do que mental, porque ajuda a iniciar. 

Em 2025, passam 10 anos do lançamento do teu primeiro álbum Espelho. Estás a preparar algo para assinalar essa data? 

Obrigado por me lembrares (risos). Mais ou menos. Ainda vêm mais anos de carreira. Estes dez anos foram muito rápidos e aconteceu muita coisa. Gostava de assinalar algo, nem que seja com um concerto diferente e especial, num formato que ainda não tenha feito e, acima de tudo, ter convidados de colaborações destes últimos 10 anos. Mas é algo ainda a conversar e a preparar. Ainda agora acabámos de fazer este concerto e este disco. 

 

 

Como era o Diogo Piçarra enquanto aluno? 

Era tímido, mas daqueles que sabia as respostas e tinha vergonha. Não queria levantar o dedo no ar. Se voltasse atrás era um aluno que em vez de ficar mais nas mesas de trás, iria mais para frente. E se calhar perdi muitas oportunidades, quer seja de responder, de agradar ou de ter melhores notas por participação. Mas sempre fui pontual, nunca chumbei, eu nunca tive nenhuma negativa. Tinha um curso de Línguas e Humanidades, sempre adorei línguas e linguística e o meu objetivo era ser jornalista.