As comemorações do Dia da Internet Mais Segura, do Centro Internet Segura, foram dedicadas ao tema “Faz delete ao ciberbullying!”. Em Lisboa, reuniram-se especialistas nacionais e internacionais, bem como um painel composto por jovens: André Melão, Joana Martins, Joana Vaz, Mateus Costa, Ricardo Romão. Conhece algumas das conclusões deste debate.


O que é para vocês o ciberbullying?

É uma forma de violência sistemática, de uma pessoa ou várias pessoas, sobre outra pessoa, através das várias tecnologias, plataformas e aplicativos. É um ato semelhante ao bullying sem espaço físico. É um silêncio ensurdecedor, em que nenhuma palavra é dita, mas que a voz, as críticas, os piropos, as ameaças não saem da cabeça e que não conseguimos apagar. O ciberbullying é algo ponderado e feito de livre vontade. É intencional e repetido. Trata-se de um tema atual e todos podemos ser vítimas. E é um comportamento que não se restringe apenas aos jovens. Vivemos numa era digital que permeia a ofensa e pratica de ciberbullying. Não é preciso dar a cara. Através do monitor, do écran ofende-se e humilha-se. É uma forma anónima de publicar, partilhar, comentar e ofender o outro.

 

Linha Internet Segura. Quais as denúncias feitas pelos jovens?

A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) lançou esta semana uma campanha de divulgação da Linha Internet Segura (LIS). O gestor operacional da LIS, Ricardo Estrela, explica em que situações este serviço pode ser útil e revela quais os fenómenos que se registam com maior frequência, no caso dos jovens.


 

Pensam que há plataformas online onde se veri?ca com maior frequência este tipo de comportamento?

As plataformas de mensagens diretas, principalmente aquelas que permitem o anonimato. Quando as pessoas podem esconder a sua identidade, tudo é mais fácil. Não colocam ?ltros naquilo que dizem, nem pensam nas consequências, em como é que pode afetar o outro. Não nos podemos esquecer que o ciberbullying não são só palavras, são também fotogra?as, vídeos que podem ser partilhados om a intenção de magoar e de humilhar. Exemplo disso são as stories, que é algo imediato e que sabemos que desaparecem num curto espaço de tempo. Esquecemo-nos é que podem ser tirados screen shots e, posteriormente, partilhados.

 



«O ciberbullying é algo ponderado e feito de livre vontade. É intencional e repetido. Trata-se de um tema atual e todos podemos ser vítimas»


 

Também está relacionado com as pessoas que escolhemos para verem os nossos conteúdos. Muitos dos jovens têm uma conta principal onde partilham os “conteúdos bonitos” e uma outra para os amigos só com “parvoíces”. Acaba por re?etir a vida real, quando distinguimos e dizemos coisas acertadas para um determinado público e quando estamos com os amigos dizemos outras coisas. O que partilhamos depende do público que temos e devemos, igualmente, controlar isso nas redes sociais. Contudo, deixamos sempre uma pegada digital e, mesmo nas contas só para amigos, há o risco de alguém fazer um print screen e partilhar com outros. As redes sociais são uma plataforma fácil para este tipo de interações. Contudo, não nos podemos esquecer de que as redes sociais são aquilo que nós fazemos delas. É importante termos as nossas contas privadas, aliás esse deveria ser o modo by default dos per? s quando instalamos as plataformas nos nossos dispositivos.

 

Qual é o papel da indústria, da sua responsabilidade social face ao ciberbullying?

Apesar de ser um assunto delicado, porque estamos a ir contra o modelo de negócio destas grandes empresas, poderá ser feita pressão para uma maior regulação e sensibilizar a indústria para disponibilizarem conteúdos especí?cos aos seus utilizadores.

 

Ódio online. A internet está zangada. Porquê?

Cada vez mais, partilhamos o espaço online com trolls, haters e bullies que recorrem a linguagem agressiva e, por vezes, de ódio. De onde vem esta raiva? E como devemos reagir? Em agosto de 2016, a revista Time sublinhava "uma mudança de personalidade" na internet.


Para além da Indústria, que outros agentes podem contribuir para o combate ao ciberbullying?

Os pais, sem dúvida. Por desconhecimento, às vezes, têm atitudes de negação face à utilização das redes sociais, em vez de dialogarem e acompanharem os seus ?lhos. A exclusão dos ?lhos da utilização das plataformas pode ser um fator para serem alvo de bullying. Todos temos de ter uma atitude. Deve começar em casa, no nosso grupo de amigos e trabalho. Tanto para os pais como para os jovens torna-se importante, mais do que estabelecer regras, cultivar um diálogo onde todos possam aprender. Construir um espaço de conforto que permita a comunicação e discussão deste tipo de problemas e da transmissão de conhecimentos, em ambos os sentidos. Outro aspeto é distinguir a teoria das práticas. Teoricamente, para acabar com o con?ito é necessário fazer com que as ameaças e críticas parem. Na prática, é importante perceber o impacto das consequências do ciberbullying, tanto na vítima como no agressor e tentar evitar a recorrência e situações traumáticas. Passa por informar pais, psicólogos, professores, sobre as ferramentas e mecanismos disponíveis para lidar com esta realidade. Conseguir construir uma re?exão que espelhe a perspetiva dos jovens, as suas necessidades, as suas di?culdades, é meio caminho andado para fazermos a ponte com quem tem responsabilidade para dar seguimento a este tema.

 

SecurIT CUP 19 first place Eugene Antipin

O que mais poderá ser feito para combater o ciberbullying?

Pensamos que poderia existir mais sensibilização para todas as idades. Recorrer à educação não formal peer to peer, baseada no debate desencadeado pelo visionamento de vídeos ou de outros recursos. As sessões de jovens para jovens promovem um ambiente seguro e propício a conversarmos sobre todos os assuntos sem ? ltros, mesmo relativamente a assuntos mais delicados. A comunicação é potenciada já que nos identi? camos uns com os outros. A proximidade de idades ajuda no debate e esclarecimento das questões. Através da partilha de experiências e da exempli? cação é mais fácil aprender mesmo em relação ao ciberbullying. As associações de estudantes podem ter um papel importante, já que têm capacidade para convocar e organizar debates e ações de sensibilização. Desenvolver o pensamento crítico. Reconhecer os riscos, sublinhar aquilo que é importante e alertar para as consequências que advém de práticas menos seguras. Não aceitar as soluções só porque nos dizem, mas perceber quais é que são os benefícios e quais são os riscos associados à sua prática. Trabalhar mais na prevenção e não tanto no combate. E a prevenção começa em casa. As crianças desde muito cedo têm acesso a dispositivos e são ágeis a contornar a tecnologia de controlo parental e cabe aos pais saber dosear a sua utilização intervalando com momentos ao ar livre ou em movimentos associativos.

 

E precisamente nessa perspetiva peer to peer, que conselhos gostariam de deixar?

Contar a alguém, sabendo que não é nada fácil, mas é importante contar a alguém em quem se con?e, pais, amigos, professores. O ouvinte deve ter uma atitude de empatia e abertura para com a vítima, de forma a que esta se sinta con?ante e segura para partilhar a situação que está a viver. E, depois, avaliar se a situação deve ser reportada e por isso é importante recolhermos provas, fazer print screens das mensagens e imagens que servirão como evidência. É igualmente importante sabermos para onde podemos encaminhar e denunciar.