Já no dia anterior tínhamos por cá passado, e o edifício tinha chamado a atenção. Para quem circula no centro da cidade de Peniche, junto ao Porto de Pesca, as instalações do CETEMARES interrompem uma longa reta onde se vislumbram os barcos que vão e chegam do mar, cheios de peixe fresco. Este centro de investigação, integrado na rede nacional MARE, é uma aposta ambiciosa e um claro reconhecimento da importância crescente dos recursos marinhos numa economia que se quer cada vez mais amiga da natural envolvência em que o mundo cresce e se reproduz.

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Criatividade sem limites

De quase um dia inteiro repleto de experiências e, para muitos, a primeira vez à séria num laboratório, como se de verdadeiros investigadores e cientistas se tratassem, desde o primeiro minuto ficou claro que este é também um centro aliado da inovação. Logo à entrada, vê-se uma montra orgulhosa de produtos que ao longo dos anos foram nascendo resultado das investigações que aqui tiveram lugar. Do gelado com algas ao azeite aromatizado com algas, não há barreiras à criatividade dos produtos que podem ver a luz do dia. Até produtos para responder aos desejos mais peculiares, e que parecem comprovar a máxima de que a necessidade (ou o desejo, neste caso) aguça o engenho.

Imagine-se o caso de um piloto de aviação que, por estar longas temporadas longe do seu país e, por isso, da gastronomia que lhe é tão cara, tem realmente saudades de um bom sabor tipicamente português. Por acaso, teria a ideia de contactar um centro de investigação como o CETEMARES e assim nasceriam conservas únicas, como de lampreia ou moelas. Esta história não está apenas no domínio dos “E se?...”. É real, e acabou mesmo por culminar na criação de conservas que permitem resolver o problema, que hoje fazem as delícias do piloto e não só.

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No laboratório

É certo que o tempo é insuficiente para criar seja o que for, mas as boas horas passadas no laboratório permitiram experimentar um pouco de tudo. As mãos entram em ação nos vários laboratórios espalhados pelo CETEMARES, onde os vários ramos de estudo do centro estão presentes. No laboratório, com alguns dos mais experientes investigadores, as bancadas enchem-se dos mais variados utensílios, de microscópios com olhos bem atentos a tentar perceber o que se vê por entre as lentes, para conseguir cumprir com sucesso os desafios propostos. Numa das salas, sob o comando atento do investigador Celso Alves, procura-se descobrir se as microalgas em análise podem ter algum potencial terapêutico no tratamento de algumas doenças. O propósito é nobre, mas o entusiasmo está mais entregue à constatação de que uma simples microalga pode ser muito mais do que isso.

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Num outro espaço, as algas continuam a estar presentes, mas com um objetivo diferente: tentar, após várias tentativas, conseguir ver um pigmento rosa. “Mas que quantidade é que tenho de meter deste reagente?”, perguntam. Esta é a prova de que, embora o objetivo primeiro da Ciência seja descobrir e inovar, também há margem para encontrar coisas fora da norma pelo meio. O que é que, para variar, também esteve presente? O peixe, claro.

O desafio de esmiuçar até à última entranha a Pata-Roxa foi lançado por Paulo Maranhão. O investigador e professor na Escola Superior de Turismo e Tecnologia do Mar viveu a sua experiência universitária na típica cidade dos estudantes, em Coimbra. O que viveu com os vários grupos ao longo deste quarto dia da Semana Tanto Mar 2021 fez recordá-lo os tempos em que, num laboratório, ainda muito verde nestas andanças, analisava os primeiros animais com os colegas em aula num clima de risadas permanentes.

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Por aqui, descobriu-se o que pode distinguir um macho de uma fêmea, e até como funciona todo o processo reprodutivo de um animal que parece tão pequeno, mas que é capaz de se reproduzir a uma velocidade elevada. Até o coração se viu. “Então vamos lá ver se o peixe tem ou não um bom coração”, sugeriu o professor.

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E também se levantaram verdadeiras dores de cabeça. Pelo menos para Margarida Silva, uma das 20 jovens que está a viver esta Academia. “Meti na cabeça que este Verão queria reduzir o número de hipóteses que tenho para quando entrar na faculdade, mas esta sessão não veio ajudar nada. Já tinha a Medicina e a Psicologia como hipóteses. Agora parece que também vou ter de adicionar a Biologia às opções”. Apesar de ainda faltar um bom tempo, ou não estivesse prestes a entrar no 11º ano, fica já dado o voto de boa sorte de toda a equipa.

A conversa tornou-se real

Muito se tem falado de refeições de deixar água na boca ao longo destes dias, onde o peixe e o marisco são os ingredientes rei. Mas até ao momento a conversa ainda não se tinha convertido em realidade. E quem diria que o jogo iria virar num centro de investigação como o CETEMARES. E logo com uma degustação especial, com direito a avaliação da qualidade de três conjugações diferentes de patés. Paté de percebes com um toque de amora silvestre… a combinação é improvável, mas conquistou a (quase) maioria dos paladares. A preocupação com a sustentabilidade é também notória, visto que os patés permitem aproveitar marisco que de outra forma seria desperdiçado, ao não poder ser comercializado. Lá pelo fim, as conversas cruzam-se com um uma discussão central: qual o mais saboroso? A resposta não é consensual. Mas as conversas vão e vêm permanentemente. Sobre tudo e nada. Tem sido assim desde a primeira hora. Também na cozinha.

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Do nada, passamos a ter uma ementa super completa. Com direito a sobremesa e tudo. Mas desta vez o cenário foi outro: a cozinha da Escola Superior de Turismo e Tecnologia do Mar, aquele que é o quartel-general da Semana Tanto Mar. A cozinha onde alguns cursos podem meter em prática o que aprendem em algumas das unidades curriculares assusta. Pelo tamanho e pelos ingredientes que se se conseguem encontrar nas bancadas, que só podem servir para uma coisa: mousse de chocolate. Parece haver coisas doces para terminar o jantar em beleza. Isto se os momentaneamente cozinheiros de primeira classe conseguirem cumprir com sucesso a receita.

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Sem spoilers, não se tratando de uma iguaria estrela Michelin, podemos dizer que, uma vez servido o jantar, ninguém disse não à oportunidade de aguçar o paladar. Até porque a noite ainda guardava mais uma oportunidade de falar novamente de mar. E com as fotografias inacreditáveis de Nuno Vasco Rodrigues, biólogo e fotógrafo subaquático português com mais de 20 anos de profunda ligação às Berlengas, a criarem uma bolha de inspiração.  Uma espécie de estágio para o momento alto do dia de amanhã. Aí então o oceano vai estar por todo o lado, sem escapatória possível.

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