Qual o significado da palavra lei? 

“Lei” é uma palavra com vários significados.

Lei pode ser utilizada, em primeiro lugar, como sinónimo do Direito vigente em determinado país (ou conjuntos de países, como a União Europeia), designando então o conjunto das regras obrigatórias de conduta que se aplicam às relações que os indivíduos, as empresas e as demais entidades públicas e privadas estabelecem entre si, com o objetivo de permitir a convivência de todos numa ordenação justa e segura.

Enquanto sinónimo de Direito, a Lei designa assim um conjunto muito vasto e complexo de normas de conduta, de aplicação imperativa (as normas éticas ou de boa educação também são regras de conduta, mas carecem de obrigatoriedade).

É neste sentido que dizemos que ninguém está acima da Lei ou que um determinado comportamento é contrário à Lei. Com este significado, tanto é lei a Constituição portuguesa, como um regulamento da União Europeia, ou uma lei da Assembleia da República, ou uma postura municipal, ou até as regras não escritas que as pessoas acatam espontaneamente com a convicção de estão a cumprir um dever: por exemplo, se passarmos à frente das pessoas que já estão na fila da caixa do supermercado estaremos provavelmente a violar a regra não escrita, mas obrigatória e reconhecida por todos, que diz que as pessoas são atendidas por ordem de chegada, sempre que não esteja estabelecido outro critério.

Contudo, a palavra Lei também pode ser utilizada com um sentido diverso, para designar as normas escritas, com uma forma especialmente solene, aprovadas seguindo procedimentos específicos pelos órgãos superiores do Estado, que constituem o chamado Poder Legislativo. Neste sentido mais restrito, Lei equivale a acto do poder legislativo, ou simplesmente acto legislativo. Em Portugal, as leis assim entendidas podem ser de três tipos:

  1. As Leis da Assembleia da República;
  2. Os Decretos-Leis do Governo
  3. Os Decretos Legislativos Regionais das Assembleias Legislativas Regionais dos Açores e da Madeira.

Por exemplo, a Lei da Nacionalidade, que determina quem é cidadão português, é uma lei da Assembleia da República; o Código Penal, que estabelece os crimes e as penas, é um decreto-lei do Governo; e os Orçamentos para 2021 das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira são decretos legislativos regionais.

Como resulta do que se acabou de dizer, é ainda possível falar de Lei com um terceiro significado, ainda mais restrito, que abrange apenas os actos legislativos aprovados pela Assembleia da República.

A Constituição também é uma lei; aliás, é a mais importante de todas. Muitas vezes aparece designada por Lei Fundamental, porque contém as normas fundamentais que organizam e regulam o País. Alguns exemplos dessas normas:

  1. Portugal é um Estado independente, não estando subordinado a qualquer outro Estado;
  2. Portugal é uma República, e não uma Monarquia;
  3. Portugal é uma República com separação de poderes, porque o poder político não está concentrado num Rei absoluto ou num Ditador, mas repartido por um conjunto de órgãos que se vigiam e controlam mutuamente;
  4. Portugal é um Estado de Direito, porque os governantes e os governados agem segundo o Direito e existem tribunais independentes e imparciais que impõem a todos o respeito das regras jurídicas e dos direitos alheios;
  5. Portugal é uma Democracia, porque o poder dos governantes é conferido pelo Povo: de facto, todo o poder tem origem na vontade do Povo, que se exprime principalmente através da escolha dos seus representantes em eleições livres e periódicas;
  6. É também uma Democracia, porque são os representantes do Povo que fazem as regras de Direito e governam o País;
  7. Portugal é um País Livre, porque todas as pessoas são livres para viver a sua vida como entenderem, dentro dos limites legitimamente colocados pela lei e pelos direitos dos outros;
  8. A República portuguesa, que é formada por todos nós, reconhece a dignidade da pessoa humana – isto é, o valor intrínseco que cada pessoa tem pelo simples facto de o ser – e proclama a igualdade de todos perante a lei, independentemente do sexo, da cor da pele, da riqueza, da instrução ou das convicções políticas ou religiosas.

 

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Porque devemos ser todos iguais perante a lei?  

Ao longo de muitos séculos, as conceções socialmente dominantes sustentavam que cada pessoa ocupava na colectividade uma posição que era determinada pelo seu nascimento. Os filhos de reis eram reis, os filhos de nobres eram nobres, os filhos do povo eram povo. Nascia-se já com um determinado estatuto social, mais elevado ou menos elevado, que acompanhava as pessoas até à morte e era transmitido aos descendentes. Tentar sair da posição social que cabia a cada pessoa pelo nascimento era uma tarefa difícil e geralmente mal vista pelos outros.

Com o passar do tempo, todavia, começou a difundir-se a conceção oposta, assente na ideia de que todos os seres humanos nascem livres e iguais. Isto significa, por um lado, que cada pessoa tem uma dignidade ou valor intrínseco por ser pessoa e todas as pessoas são iguais nessa dignidade; e significa, por outro lado, que todos são livres de melhorar a sua condição, de acordo com os seus méritos individuais, em vez de estarem amarrados a um estatuto social imutável.

Estas ideias foram proclamadas pelo Iluminismo, triunfaram com Revoluções Liberais e foram depois consagrados nas constituições dos sécs. XVIII e XIX. Correspondem a uma conceção sobre o ser humano que permanece até hoje como um pilar fundamental e um traço identificador da nossa sociedade e da nossa cultura.  

Também na Constituição portuguesa está afirmada a idêntica dignidade de todas as pessoas e convicção partilhada pela nossa sociedade de que é próprio de cada pessoa nascer livre e igual aos seus semelhantes. Especialmente importante é o art. 13.º, que proclama a idêntica dignidade social dos cidadãos e a sua igualdade perante a lei, com a inerente proibição de todas as formas de discriminação.

Importa, todavia, esclarecer que a igualdade perante a lei não significa aplicar as mesmas leis a todas as pessoas. A leis que protegem os idosos ou as mulheres grávidas (dando-lhes prioridade nas filas ou nos transportes públicos, por exemplo) não se aplicam aos jovens, nem às mulheres que não estejam grávidas, nem às restantes categorias de pessoas. Os impostos pagos pelas pessoas pobres não têm em geral o mesmo valor que os impostos pagos pelas pessoas ricas. Na verdade, o que a igualdade significa, em palavras simples, é que as pessoas que se encontrem nas mesmas circunstâncias devem estar submetidas às mesmas leis, ao passo que pessoas que se encontrem em circunstâncias diversas devem estar submetidas a leis diversas, mantendo-se uma proporção entre a diversidade das circunstâncias e a diversidade das leis.

Apesar da aparente simplicidade deste enunciado, a igualdade perante a lei levanta problemas muito complexos. Um desses problemas é determinar quais as diferenciações objetivas entre as pessoas que podem ter por consequência diferenciações legítimas de tratamento. Parece evidente que entre pessoas brancas e negras não existe uma diferenciação objetiva e, logo, é ilegítimo estabelecer qualquer diferença de tratamento com base nessa circunstância. Mas já entre homens e mulheres existem diferenças objetivas, de natureza biológica: e se parece evidente que essas diferenças objetivas devem ser irrelevantes para determinar o salário que recebem pelas mesmas tarefas, sendo assim discriminatória uma diferenciação salarial, já não é claro se as diferenças objetivas ligadas ao sexo relevam ou não quando se trata de aplicar leis sobre outros assuntos. Por exemplo: essas diferenças objetivas podem justificar uma regra que reserva para as mulheres condutoras os lugares mais seguros dos silos de estacionamento automóvel (Alemanha)? Ou justificar que se tenha aplicado uma sanção disciplinar a uma estudante, e já não aos seus colegas rapazes, por ter ficado de tronco nu no campus universitário, num dia de canícula (Canadá)? Ou justificar que nalguns campeonatos organizados pela Federação Internacional de Xadrez exista uma competição masculina e uma competição feminina?

Outro problema difícil é saber se o Estado se deve  preocupar apenas em garantir uma igualdade de oportunidades, ou se deve ir mais além e adotar políticas que visem instituir uma igualdade real entre as pessoas, mesmo que para isso seja necessário aplicar diferenciadamente a lei. Por exemplo: pode o Estado justificar com base na igualdade uma lei que reserve lugares nas universidades públicas para estudantes economicamente desfavorecidos, com a inerente exclusão de outros estudantes com nota de acesso superior, oriundos de famílias mais abastadas?


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Porque devemos ser todos iguais perante a lei?  

Muitas vezes responde-se a esta pergunta dizendo que se não obedecermos à lei, teremos de suportar uma qualquer consequência desfavorável, mais ou menos grave: p. ex., a anulação de um contrato, o pagamento de uma indemnização, a aplicação de uma multa, ou até uma pena de prisão.

Isto é verdade, em boa medida. Ao contrário das normas éticas e das regras de boa educação, as leis são comandos que as pessoas devem obrigatoriamente cumprir e esse cumprimento pode ser imposto através de medidas imperativas e coercivas, incluindo a força pública (p. ex., numa manifestação violenta, a polícia pode utilizar a força para pôr termo aos distúrbios e provavelmente alguns manifestantes serão presos e julgados e condenados pelos tribunais). Se não existissem mecanismos eficazes para garantir o cumprimento da lei, a sociedade desorganizar-se-ia e o Direito seria substituído pela “lei do mais forte”. Basta vermos nas notícias a situação caótica em que se encontram algumas zonas do globo, em que os governos desapareceram ou já não conseguem impor a ordem, para percebermos o que sucede quando deixa de ser possível assegurar o cumprimento da lei e os bandos e grupos armados atuam impunemente.

Mas existe outro motivo para obedecermos à lei, ainda mais importante.

De facto, é muito frequente que a violação de uma lei não acarrete qualquer sanção. Por vezes, é a própria sanção que não existe: p. ex., se o Presidente da República exceder o prazo de 20 dias de que dispõe para decidir se veta uma lei da Assembleia da República, está a violar a Constituição e a lei, mas não há nenhuma sanção para essa violação. Outras vezes, a sanção existe, mas por qualquer motivo não é aplicada: p. ex., se houver greve do pessoal da CP que fiscaliza os títulos de transporte, quem circular de comboio sem bilhete não suportará qualquer sanção. E existem ainda muitos casos em que a sanção existe e pode ser aplicada, mas em que a probabilidade dessa aplicação é muito baixa: assim sucede com as sanções pela ultrapassagem dos limites de velocidade nas estradas ou pelo desrespeito dos semáforos a altas horas da noite.

Porém, a experiência mostra que o Presidente da República decide dentro do prazo de 20 dias, que os passageiros compram os bilhetes e que a maioria dos condutores não excede, ou não excede muito, os limites de velocidade e respeita as indicações dos semáforos.

Ora, o que na verdade explica que as pessoas cumpram a lei, apesar de a sanção não existir ou não ser aplicada, é a convicção partilhada por todos de que o respeito da lei é um valor em si, indispensável à convivência numa sociedade organizada, em que todos tenham a segurança de que os seus direitos são reconhecidos e protegidos.

Por outras palavras, a principal razão por que as pessoas cumprem a lei é simplesmente a sua vontade espontânea de cumprir a lei, por entenderem que têm interesse nisso. Se a vontade da maioria das pessoas for não cumprir a lei, pouco ou nada se pode fazer contra a desobediência, exista ou não sanção.

Em suma, devemos obedecer à lei exatamente pelo mesmo motivo que devemos obedecer às regras de um jogo que estamos a disputar com os nossos amigos. Se não respeitarmos as regras, não é possível jogar e acaba-se a partida. Quer isto dizer que só é possível convivermos em sociedade, ou numa partida de futebol, ou num jogo de cartas, se todos aceitarmos cumprir as regras.

Posso invocar o desconhecimento da lei para justificar o seu incumprimento? 

Todos os dias entram em vigor centenas de novas regras. E desde que Portugal aderiu à União Europeia, ao elevado número de normas internas acrescem ainda numerosíssimas normas europeias, que também são aplicáveis em Portugal. Logo, é impossível que uma pessoa conheça todas as normas que lhe podem ser aplicadas e que, de uma forma ou outra, regulam ou podem vir a regular a sua atuação.  Na prática, o que sucede é que as pessoas tentam conhecer as normas de que necessitam mais frequentemente na sua vida quotidiana e ignoram as restantes.

Ora, se cada pessoa conseguisse que uma norma não lhe fosse aplicada com o argumento de que não a conhecia, o resultado seria que o Direito deixaria de ser igual para todos, pois cada um escolhia seguir apenas as normas que lhe interessavam. Como é óbvio, tal seria incompatível com uma sociedade organizada e por isso o princípio que vigora desde há muitos séculos é o de que a ignorância da lei carece de relevância.

Porém, em casos excecionais, pode atender-se à circunstância de uma pessoa não conhecer uma lei, por motivos justificados. Esses casos ocorrem geralmente no âmbito do Direito Criminal, em que se admite nalgumas circunstâncias que a pessoa acusada de um crime alegue em sua defesa o desconhecimento da conduta que lhe era imposta ou proibida, seja porque a norma que impunha ou proibia essa conduta se encontrava redigida de uma forma ambígua, seja porque existiam circunstâncias especiais que reduzem ou eliminam a culpa por não se ter respeitado a norma.