A sua imagem foi pendurada em milhares de casas em todo o mundo. Consegue perceber qual a razão para o seu sucesso?
[Silêncio] A resposta curta é “não”. A resposta longa é “não faço a mínima ideia”. Sobretudo, tendo em conta que, para mim, a imagem de uma criança a chorar não é propriamente a visão mais agradável do mundo. Milhões de pessoas gostam de olhar para o meu sofrimento. Não é fácil pensar nisto e, muito menos, crescer na sombra deste facto.

Como surgiu a oportunidade de ser retratado?
O autor, o pintor Bruno Amadio, pintou uma série de quadros de crianças a chorar, vá-se lá saber porquê. No meu caso, provavelmente os meus pais viram um anúncio no jornal e acharam boa ideia, vá-se lá saber porquê. Mal sabiam eles no que me estavam a meter. Os quadros foram um sucesso internacional, vá-se lá... Já deu para perceber a ideia. A popularidade registou-se sobretudo na Suécia, Reino Unido e, claro, Portugal. Entretanto, uma série de mitos foram associados a essa coleção de pinturas.

 


«Ninguém quer saber realmente a razão pela qual choro. Simplesmente, é porreiro criar umas mitologias que colocam em evidência o absurdo da existência humana e a fragilidade do sentido e tal»
Menino da Lágrima


 

 

Tais como?
Ah, coisas muito simpáticas, claro: dizia-se que os quadros incendiavam casas e mais não sei o quê. Estamos a falar de pessoas que acham agradável olhar para a minha cara de choro e que, não satisfeitas, me acusam, essencialmente, do crime de fogo posto. Se pensarmos bem no assunto, não me parece muito justo.

Esta será a pergunta que muitos quererão fazer. Porque chora o menino da lágrima?
Pensei que me iam perguntar “o que dizem os teus olhos?” [riso sarcástico]. Será assim tão importante saber a razão do choro? Não é suficiente saber que se trata de uma criança a chorar? Claramente, a questão mais interessante é: “O que é que isto diz sobre a nossa sociedade?”.

 

z1

 

O que é que isto diz sobre a nossa sociedade?
O interesse pelo meu choro é superficial: obedece a uma curiosidade básica e não a uma necessidade empatia ou ligação humana. Ninguém quer saber realmente a razão pela qual choro. É como o interesse nos fenómenos de vestidos azuis que parecem dourados. Simplesmente, é porreiro criar umas mitologias que colocam em evidência o absurdo da existência humana e a fragilidade do sentido e tal. Quando penso nisso, sinto que, sinto que... [coloca a cara entre as mãos].

Podemos ajudar?
[soluçando] Esperei demasiados anos para perguntar isto mas… Tem um lenço que me arranje?