O segundo dia do Ubuntu Fest juntou várias famílias, n’Um passo pela saúde mental. A caminhada com o mesmo nome – em colaboração com a Associação AGIRAR - marcou o início desta manhã de atividades dedicadas ao bem-estar e saúde mental. Passo a passo, na mesma direção, diferentes gerações caminharam junto à Praia das Pedras Amarelas, onde encontraram alguns desafios.
Da praia para o Jardim do Cedro, crianças do 4.º ano do Agrupamento de Escolas Dr. Costa Matos, juntamente com os seus familiares - pais, irmãos e avós -, sentaram-se para ouvir e interpretar vários Contos Ubuntu. Neste espaço, reabilitado pelo projeto Meu Bairro Minha Rua, a atividade de Interpretação dos Contos Ubuntu deu lugar à criatividade, num momento de criação artística a partir das histórias do livro.
Relaciono-me, logo Cuido(me)
“O método Ubuntu «Eu sou porque tu és» traz de uma forma muito clara a ideia da ética do cuidado: saber cuidar de mim próprio, saber cuidar dos outros e do planeta”, explicou Rui Marques, presidente do IPAV, referindo que estas três dimensões são de igual forma importantes, interdependentes e ligadas entre si.
Durante a tarde, a Conferência Internacional Relaciono-me, logo Cuido(me): contributos Ubuntu para a promoção de bem-estar e saúde mental nas escolas e cidades trouxe olhares nacionais mas também olhares externos a Portugal ao auditório do Centro Paroquial de Mafamude.
O tema escolhido para o evento teve por base dois motivos: “não só porque coincide com a semana da saúde mental, mas porque começa a ser evidente que ficou uma herança muito pesada do tempo de pandemia em torno da saúde mental”, disse Rui Marques na abertura da sessão. É crescente o número de situações de ansiedade, depressão, distúrbios alimentares e suicídio entre crianças e jovens e “nós enquanto sociedade parece que não estamos a dar por isso”, referiu o presidente do IPAV.
A partir daí, “é absolutamente essencial colocar na agenda este tema do bem-estar e da saúde mental, e o movimento Ubuntu pode contribuir para fazer face a este impacto negativo pós-covid”, assim disse. “O Ubuntu permite-nos ter respostas importantes no que diz respeito à geração de sentido e propósito de vida” e, tal como explicou, esse é provavelmente um dos melhores antídotos contra crises do domínio da saúde mental e do bem-estar.
Somos Relacionais
Num primeiro painel, Silvia Penón, de Instituto Relacional de Barcelona, abordou o impacto das relações para o ser humano, explicando que vidas poderosas são aquelas que são constituídas por relações poderosas. A criação destas relações gera equipas poderosas, que por sua vez são a base de qualquer organização. “É a única forma de mudar o mundo”, porque essa mudança implica relações poderosas.
É, portanto, fundamental que exista uma consciência da interdependência, porque “não existimos como indivíduos separados”, explicou Antonio Lozano Domenech, dizendo que “o «ego» é o primeiro fake da nossa existência”. Da sua apresentação, fica a perceção de que não existimos como seres isolados, porque “somos oceano”, caracterizados pela dependência e ligação ao outro.
Contributos Ubuntu nas escolas
O movimento Ubuntu, através das suas várias ramificações, contribui constantemente para a promoção do bem-estar e saúde mental nas escolas. Tendo por base esta presença e o impacto daí inerente teve lugar o painel que juntou várias representantes de escolas de Vila Nova de Gaia.
No Agrupamento de Escolas Dr. Costa Matos, a Academia de Líderes Ubuntu Júnior convida os estudantes, ao longo de cinco dias, a encontrarem soluções para alguns dilemas, permitindo-os refletir e trabalhar estes conflitos. Através da roda das soluções, os jovens aprendem a resolver os conflitos individualmente, sem a necessidade de recorrer a ajuda de um adulto, como referiram. Numa apresentação, os alunos que tiveram a oportunidade de utilizar esta ferramenta explicaram o impacto que teve em cada um deles. “É importante porque é a forma de resolvermos os nossos problemas sem recorrermos à violência” foi a frase dita por uma das crianças.
Maria João Guerra é educadora social no Agrupamento de Escolas Dr. Costa Matos e explicou que “quando abordamos a roda das soluções, eles depois pedem-nos o passaporte para colocarem no bolso e andarem sempre com ela”, como forma de resolverem mais facilmente os seus problemas. Este é um instrumento de autorregulação emocional visual, que possibilita que a criança reflita quando tem um conflito, promovendo o bem-estar e o bom clima escolar, uma vez que ajuda a canalizar a raiva e a tristeza.
Noutro agrupamento de escolas da cidade, as Semanas Ubuntu estão presentes no acolhimento aos alunos do 7.º ano. Ana Sofia Marques, psicóloga ESAOF, conta que os resultados do método são visíveis ao longo do ano letivo. “Os alunos começam a estar mais atentos, disponíveis e é mais fácil para nós porque conseguimos intervir mais facilmente nos problemas”, explicou a psicóloga, referindo também a intensidade das ligações, porque a partir daí as pessoas criam laços que vão além daqueles que seriam previsíveis.
No Agrupamento de Escolas de Carvalhos, o Clube Ubuntu está ainda a começar, mas já é notória a diferença nos alunos em termos de relação, postura e gestão de conflitos, assim explica a enfermeira Daniela Tavares. Durante uma das atividades realizadas, os estudantes escreveram: “Que o caminho seja mais leve, livre e feliz”. Esta frase, que a enfermeira destacou, marca o início de um caminho onde é visível a maior facilidade que existe em partilhar, ser solidário e empático com os outros.
“Para mim, foi muito gratificante e não tenho palavras para descrever”, Daniela Tavares contou a forma como as duas semanas Ubuntu foram importantes para si e o impacto que tem agora na relação com os alunos. “Fez-me crescer e ver que às vezes nós somos muito injustos com os nossos problemas, achamos que temos imensos problemas, e aquele estudante tão jovem tem muito mais e mais graves.” Com a semana, notou-se mais a proximidade entre os estudantes e eles pedem-lhe, agora, muitas vezes se pode fazer de novo, repetir a semana ubuntu.
Sim Somos Capazes
O projeto Sim Somos Capazes é uma resposta de inovação social, que conjuga fatores multifuncionais e inovadores, destinado sobretudo a jovens com diversidade funcional que terminaram a escolaridade obrigatória. Sílvia Campos, coordenadora do projeto, contou que este surgiu a partir da ideia de criar algo diferenciador que fosse uma resposta para estes jovens. “A nossa metodologia tenta estabelecer uma relação entre as aspirações, os seus sonhos e um plano para a sua concretização”, através de soluções adaptadas, explicou Sílvia Campos.
O objetivo passa por explorar o talento de cada um, para conseguirem potenciar as suas competências. Sara integra o projeto e contou que “o meu sonho era ter um trabalho e consegui”. Esse sempre foi um sonho seu e o Sim Somos Capazes permitiu-lhe aumentar as suas competências e autonomia e tudo isso foi uma conquista que de outra forma não conseguiria.
Assim como Sara outros jovens contaram a forma como o projeto impactou as suas vidas. “Estamos todos juntos a realizar os sonhos e assim pretendemos continuar a fazê-lo”, disse a coordenadora do projeto, explicando que existem agora 20 pessoas ligadas ao mesmo, e que sem as parcerias e colaboração institucional nada era possível.
AGIRAR é uma outra iniciativa que marca a diferença na vida de tantas pessoas. A Associação de Familiares e Amigos de Pessoas com Psicose representa a mudança e promove a reabilitação e integração social de pessoas com doença mental grave, assim como o apoio, investigação e formação na área.
Segundo Fernanda Castro, vice-presidente AGIRAR, a criação de pontes com a comunidade e a promoção da aquisição de competências, através de atividades de qualidade, melhoram a vida daqueles com dificuldades sociais. “As pessoas têm muitos mitos associados à saúde mental e é importante que comecemos nas camadas mais jovens a falar abertamente sobre estas temáticas, porque só assim conseguiremos encontrar respostas para as questões que vão surgir”, concluiu.
Nos últimos minutos desta conferência, Eduardo Seidenthal, Líder Ubuntu, criou um espaço de reflexão e propôs aos participantes que refletissem sobre as questões: “O que sentiu ao longo da tarde de hoje, o que dizem o corpo e as emoções?”; “Que insights teve hoje?”; e “O que leva daqui para fazer amanhã?”.
Após a reflexão, Eduardo partiu também as suas conclusões, dizendo “a emoção que me surge é a esperança e quando me relaciono com o ubuntu, fico com esperança”. “O grande insight que eu estou a ter aqui é o poder das redes, o poder das relações”, partilhou, destacando o papel importante da conexão com o propósito.