Como é que começou este teu gosto pelo mundo do espectáculo?
Foi uma coisa muito natural, não me lembro de dizer: agora vou ser actriz. Tive de tomar a decisão quando me tornei profissional e quando comecei a viver disto, mas até lá sempre estive envolvida nas peças da escola – no 10º ano, escolhi até a disciplina Oficinas de Expressão Dramática. Entrei num grupo de teatro amador – porque acho que é a forma mais pura de teatro – e, a partir daí, continuei a fazer coisas. Na faculdade, queria estudar representação e os meus pais disseram que isso não era uma profissão: “Se queres que te paguemos o curso, vais para a faculdade tirar o que nós queremos”. Como era uma contrapartida válida, eu fui e tirei Direito. Durante o primeiro ano, lembro-me de estar a marcar orais e, de repente, ofereceram-me o meu primeiro trabalho em televisão, a primeira vez que me iam pagar para fazer teatro, na série “Ana e os sete”. Aí tive de tomar uma decisão: ou continuava na faculdade ou ia trabalhar.
Deixaste o curso de Direito a meio, então…
Fiz um ano e qualquer coisa…. Mas tive alguns problemas, porque era um bocadinho outsider: estava ali porque me interessavam algumas das cadeiras, não para ter melhores notas do que o não sei quem ou ser a melhor da nossa turma. De repente, houve uma situação muito curiosa, um dos professores disse: vou deixar a matéria para a primeira frequência na reprografia. Acabou a aula e eu vejo todos os meus colegas a correrem que nem uns desalmados para a reprografia e eu pensei, bem, vou comer qualquer coisa e já lá vou. Quando lá cheguei, um dos meus colegas tinha roubado os apontamentos para só ele os ter. Este tipo de coisas imperava ali e eu achei que se calhar aquele não era bem o meu mundo. Quando começaram a aparecer os trabalhos e eu pensei que podia estar a trabalhar, podia estar a fazer aquilo que eu gosto e com aquele dinheiro poderia pagar os cursos que eu achava que precisava de ter para ser actriz… Saí.

Ao longo do teu percurso profissional, houve algum trabalho que te tivesse marcado mais?
Não é cliché, mas todos os personagens que eu fiz marcaram-me todos muito. Contudo, o monólogo sobre a vida e obra da Janis Joplin foi o trabalho que mais me marcou até hoje, acho, pois foi o trabalho mais intensivo e de maior entrega – durante 4 ou 5 meses eu só ouvia música e via livros e documentários dos sixties, estive meses a viver nos anos 60, completamente. Outro trabalho que gostei muito de fazer e que tirou muito de mim foi a “Vingança”, a última novela que eu fiz. Foi dos poucos elencos em TV em que toda a gente que estava ali era actor de formação, o que hoje em dia é um bocadinho mais complicado de acontecer. Além disso, aquela história era muito trágica, muito forte e nós estávamos todos muito envolvidos. Lembro-me de sair do estúdio e de ter bocados daquela pessoa horrível, que era a Erica. Foi a primeira vez em que para mim foi muito complicado vestir e despir um papel
Actualmente podemos ver-te na RTP2, no “5 para a Meia-Noite”, onde és a única apresentadora. Os ‘meninos’ tratam-te bem?
Tratam (risos). Dentro daquele formato talk show de humor, estou de facto com os melhores. Eles são, de facto, seres extraordinários, trabalhadores incríveis e pessoas geniais e considero uma honra estar a trabalhar nisto com eles. Claro que eu sou a ‘caçula’: sou a mais nova e a única mulher… Então é normal que haja muita pressão em cima de mim, mas damo-nos todos muito bem e a alguns deles eu posso até chamar de amigos.
Apresentar é muito diferente de representar?
Eu nunca tinha apresentado um programa que fosse categoricamente de humor, isto é muito novo para mim. No entanto, acho que as bases de trabalho são muito parecidas: quando dizem “acção”, como é lógico, aquela pessoa que ali está não sou eu, é uma personagem e uma postura criada por mim para aqueles 70 minutos de talk show.

Lidas facilmente com a pressão, as câmaras, as luzes e os diálogos improvisados?
Eu tenho uma relação de amor-ódio com a minha profissão. Aquilo que tenho, o caminho que já fiz, foi porque trabalhei muito e foi feito de de sangue, suor e lágrimas. Algumas pessoas têm a ideia de que os actores de novelas lêem um papel e depois vão lá dizer umas coisas, mas no meu caso eu trabalhei mesmo – comecei a fazer teatro amador, a carregar 150 cadeiras todos os dias, a coser figurinos e a andar acarretar projectores todas as noites para fazer um espectáculo só para dizer que fiz um espectáculo, porque depois não havia sequer 50 cêntimos para ninguém, havia os aplausos e o amor por aquela arte. Por isso, eu lido muito bem com essas coisas: já tive 3 anos seguidos sem férias e, por exemplo, está-me a custar muito agora, porque já não tenho férias há um ano e qualquer coisa.
Como é ser actor em Portugal?
Ser actor em Portugal é horrível – mas ser um verdadeiro actor, não ser um modelinho que acha que diz umas coisas. Nós temos grandes períodos de desemprego e o que me custa mais nesta profissão é olhar para pessoas que têm escola, que gastaram dinheiro para se irem formar em escolas superiores e irem lá para fora estudar e de repente não têm trabalho durante anos e anos e andam a contar o dinheiro para comer. Por outro lado, vês pessoas que não fazem ideia do que é ser actor e do que é a arte de representar, estão podres de ricas e vão para as entrevistas dizer que gostam muito da profissão e que estão muito felizes. Isto é o que me custa na minha profissão: olhar para o lado e ver esta realidade tão triste de pessoas tão válidas. Como eu já disse algumas vezes: somos um país de génios no sótão e de lixo na ribalta.
Uma aluna terrível no secundário
Estudou no Externato Marista de Lisboa e tinha tudo para ser uma menina certinha, mas não foi o caso. “Eu era terrível. Sabes quando há alguma coisa que corre mal na escola e o director chama sempre uma pessoa, porque se não foi ela que fez ela sabe quem foi? Eu era essa pessoa”, diz Filomena, recordando umas das muitas peripécias da altura do secundário. “Eu tinha aulas de Educação Moral e Religiosa Católica e adorava aquelas aulas, porque discutíamos coisas, só que eu ia para a rua constantemente. Ora eu tinha outro colega meu que era muito parecido comigo, e então nós combinámos que cada vez que fôssemos para a rua, fazíamos uma bolinha/círculo na porta da sala. Eu fui tantas vezes para a rua que lembro-me de ser chamada ao director, porque nós íamos fazendo círculos em cima de círculos e já ocupavam quase a porta toda. À custa destas bolas tivemos de limpar todas as portas da escola”, recorda.

Raio-x a Filomena Cautela
Nome completo: Filomena José Dias Fernandes Cautela
Data de nascimento: 16 de Dezembro de 1984
Música que gosta de ouvir: Não tem MP3, porque não sabe ‘sacar’ músicas da internet, mas adora comprar Cds. Tem alturas da vida em que só ouve música portuguesa: Mesa, Clã, Vicious Five, entre outros.
Peça de roupa preferida: Chapéus. Tem perto de 20 chapéus.
Filmes preferidos: “Blue Velvet” e “Mulholland Drive” (David Linch), “Eduardo mãos de tesoura” (Tim Burton) e a “A Ciência dos sonhos” (Michael Gondry). Gosta ainda de filmes de Tarantino, Almodôvar e Oliver Stone.
Trabalhos em Teatro: "Antígona"; "Se o amor for outra coisa"; "João e as Mulheres”; " Eu Ligo-te”; "A Noite dos Assassinos"; "Mil Olhos de Vidro”.
Trabalhos em TV: "Morangos com Açúcar", "Ana e os Sete"; "Inspector Max”; "Bocage", "Mundo Meu"; " VJ MTV Portugal "; “Aqui não há quem viva”, 2ª temporada; "Vingança "; "Casos da Vida”; "Conta-me como foi”; apresentadora da TV Globo Portugal e do “5 para a Meia Noite”.
Trabalhos em Cinema: "Quinta dos Anjos"; "Anita na Praia"; "Viúva rica solteira não fica”; "Night Shop”; "O Destino do Sr. Sousa”.
Fotos: {Gonçalo Gil}