*Entrevista fictícia

Antes de mais nada agradecemos a oportunidade para o entrevistar. Entendemos que quer expor o desgaste a que esta profissão o submete.

[Em surdina] O facto da manilha não ter saído é um dado fundamental para o desfecho deste jogo. Desculpem, já começou a entrevista? Estava distraído com aquela jogada incompreensível. Sim, de facto é verdade. Comentar eleições é muito desgastante, perco horas a fio a ver debates, a dissecá-los para retirar as principais ideias. O problema é que o tempo é tão reduzido e não dá para retirar ideia nenhuma. Nesse sentido, acredito que os comentadores do “Big Brother” têm a vida mais facilitada.

Portanto, nos dias de hoje, é mais fácil comentar um reality-show que um debate político?

[Fala consigo mesmo] Baldar a manilha é sempre uma opção à disposição dos vários jogadores.  Perdoem-me, às vezes deixo-me levar na análise. Isto começa a impactar a minha vida. Mas respondendo à vossa pergunta, claro que é mais fácil comentar um reality-show. Tu ali tens 24 horas de conteúdo para espremer. Podes falar da discussão do Anacleto com a Vanessa, ou então das disputas entre os grupos da Irina e do Gervásio. São dinâmicas mais complexas.

Está a criticar então o tempo de duração dos debates?

[Incomodado] Essa jogada não faz sentido, então vais-me baldar a manilha antes de sair o trunfo. Estes jovens… não aceitam a crítica. Claro. São debates muito curtos. Às vezes estão ali numa disputa de acusações, “o senhor é que é”, “não, o senhor” e obrigam-me a ser criativo. Começo a girar à volta do mesmo tema, às vezes analiso a moderação como se fosse a arbitragem. Se calhar devia dedicar-me ao comentário futebolístico. Comentar política é igual a comentar futebol, tirando a parte de se falar sobre a democracia e tal.  

Pode-se dizer que o comentário político está em crise?

[Exaltado] Fez uma renúncia, isto é escandaloso, nunca vi nada assim na minha carreira. O comentário político está numa crise gravíssima. É que agora qualquer um é especialista num tema. Veja lá que no outro dia entrei num café e o meu talhante, o Chico, achava ser o maior entendido em política internacional só pelo que via no Tik Tok. A minha profissão está em risco e é preciso que se tomem medidas drásticas. [Jovem jogador de sueca grita algo impercetível à distância] O que é que tu me chamaste?