ALMA
“O festival singularizou-se pela multidisciplinaridade (há sempre outras artes à volta da música), pela forma como toma a ilha como palco e como envolve as comunidades locais. Este evento faz-se de concertos na paisagem (Tremor-Todo-Terreno), concertos-surpresa (Tremor na Estufa), conversas e residências de criação, entre Ponta Delgada e Ribeira Grande, nos locais e situações mais inusitadas. O festival encerra na cidade-mãe de Ponta Delgada, com um programa 24 horas e um convite a percorrer 20 salas que vão do teatro ao coliseu, a hostels ou igrejas. Há ainda um programa para miúdos e graúdos com mini-discos, concertos, workshops. O Tremor ficou conhecido como o festival que faz voar festivaleiros para ver um concerto-surpresa numa ilha vizinha (Santa Maria) ou onde se pode ver concertos em estufas de ananases, pistas de aviões, o palácio presidencial, ou mesmo, dentro de águas termais quentinhas”. O Tremor é um festival de 5 dias que decorre na ilha de São Miguel, este ano entre 9 a 13 de abril. Porque já é tempo do continente saber mais sobre este “abanão” na cultura insular, estivemos à conversa com António Pedro Lopes, um dos fundadores, para perceber quais são os seus pilares.
RESIDÊNCIAS ARTÍSTICAS
“As Residências ocupam o pilar da Criação Artística. O seu objetivo é a criação de novos projetos localmente, pré, durante e pós festival. A troca de saberes, a colaborac?a?o e a experimentac?a?o sa?o princi?pios-chave que podem tomar Sa?o Miguel como laboratório de criac?a?o. Todos os anos, experimentamos coisas novas, tentando sempre colocar o foco na mu?sica, na comunidade e na ilha, nos processos colaborativos, no futuro e na tecnologia, nas artes visuais e na criação de um arquivo. Este ano, o Tremor propo?e a mu?sica como fator de mudanc?a cultural e social: da experie?ncia educativa ao concerto (Ondamarela com Escola da Mu?sica de Rabo de Peixe e uma comunidade da Associação de Surdos de São Miguel); a exploração da viola da terra em ligac?a?o a? mu?sica eletro?nica; a fotografia, o som e a tecnologia como mote para novos arquivos de memo?ria; o fomento a? criac?a?o de originais de artistas ac?orianos; o encontro com artistas visitantes; o resgate da tradição das “despensas” de Rabo de Peixe (bailes típicos) através da fotografia, dança e música”.
DIVERSIDADE
“O ecletismo é a nossa imagem de marca e fruto também de uma curadoria musical que se faz de quatro cabeças: eu, a YUZIN (Luís Banrezes) e a Lovers & Lollypops (Márcio Laranjeira e Joaquim Durães). Fazemo-lo, observando o que se passa nas ilhas e no mundo, e procurando diversidade, urgência, ousadia e pertinência. Fazer o que quer que seja nos Açores, é lidar com os custos e distâncias da insularidade. Os Açores fascinam, e o festival é falado e passado num boca a boca entre artistas. Por outro lado, estamos longe e tudo custa caro, e às vezes o anticiclone não ajuda e os voos não chegam. O Tremor é uma história de amor com os Açores, é um festival experimental, com uma escala humana bonita, com um jogo de movimentação que cria muita interação e que quebra as barreiras entre artistas e público. Essa genuinidade é apreciada e serve muitas vezes de cartão de visita, já para não falar da paisagem, da comida e das pessoas”.
FATOR WOW!
“São Miguel é uma ilha de muitas surpresas. O único limite é termos autorização e abrirem-nos a porta. Perdemos o medo da repetição, atendendo a que cada artista molda a experiência do lugar conforme a sua linguagem. Nunca é igual, e repetir é a possibilidade de melhorar ou experimentar outra coisa. Nesta 6ª edição, há um novo trilho pedestre e mais três lugares surpresa. Chegaremos pela primeira vez a um espaço mítico em Ponta Delgada e faremos concertos em lugares como o Museu Vivo do Franciscanismo, o Mercado Municipal da Ribeira Grande ou a incrível Igreja de Santo André”.
EXPANSÂO
“Os Açores são 9 ilhas: aqui há mar, praia, montanha, deserto, aldeias, vilas, cidades, lagoas, águas termais e um património arquitetónico histórico incrível. A cada edição, há sempre a sensação de explodir todas as possibilidades de uma vez. Mas anualmente, aprendemos a re-olhar o território, falamos com pessoas e novas possibilidade de crescimento e surpresa vão surgindo. O limite do Tremor é a sua imaginação, elasticidade e liberdade. Ele é experimental e sempre diferente, e vem daí a sua beleza e frescura. Em 2019, o festival esgotou a 50 dias de acontecer, um dado novo que nos fará reavaliar em que direção continuamos no futuro”.
IMPACTO SOCIAL
Açoriano de gema, André Sousa analisou na sua dissertação de Mestrado em Sociologia na Faculdade de Letras da Universidade do Porto o impacto cultural e económico do Tremor.
“O Tremor ocorre sempre nas Páscoa, logo possibilita férias mais acessíveis, seja a nível de alojamento ou viagens. Acaba por ser um guia turístico da ilha de São Miguel, e dos Açores, pois mostra os locais mais incríveis da ilha”, conta. “Para além dos lucros que turisticamente o festival traz, a nível do alojamento, pensemos também nos lucros paras as lojas de turismo, restaurantes e bares locais, serviços de aluguer de carros e de guia turísticos”, diz sobre a importância económica do evento. Já a nível cultural, “uma das primeiras coisas que se nota é o destaque que começamos a dar aos artistas locais”. “Os Açores, a nível cultural, eram um mercado muito dominado pelo consumo de massas” e hoje é inegável “a relevância que a cultura indie, alternativa ou underground” passou a ter graças a este “festival louco, único e indescritível, onde podes viver todas as experiências possíveis”.