No livro-manifesto de Mary Migdley, ao qual “roubámos” o título, a professora de Filosofia na Universidade de Newcastle explica porque é que devemos interessar-nos por esta disciplina.

E devemos fazê-lo não tanto decorando aquilo que foi pensado por outros, mas mais estimulando o ato de pensarmos por nós próprios. Desde tenra idade, é bom ganhar o hábito de refletir, argumentar, interrogar. É esse mesmo o grande desafio da Oficina do Platão, em Lisboa, um projeto que incute “a consciência do pensar” em alunos entre os 11 e os 13 anos.

“Será a Filosofia um estudo pormenorizado como a metalurgia? Ou será parecida com a História, a Literatura ou a Religião: um saber que visa o bem pessoal e tenta influenciar a nossa vida?”. No seu livro-manifesto 'Para que Serve a Filosofia?' – disponível no mercado nacional numa aposta da Temas e Debates – Mary Midley (figura cimeira da Filosofia moral, falecida em 2018) procura uma resposta para estas questões importantes, expondo múltiplas ansiedades e confusões intelectuais e a maneira como podemos lidar com elas.

 

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Nestas 250 páginas, a autora faz “uma defesa firme, mas não sectária, da filosofia e da vida da mente”, “interroga-se sobre se continuamos a precisar da filosofa para nos ajudar a pensar nas grandes questões do significado, conhecimento e valor”. Spoiler alert: a resposta é sim!

Para Mary Midley, há um “credo redutor, cienticista, mecanicista e fantasista que continua a distorcer constantemente a imagem o mundo da nossa era”. À custa disso, muitos de nós andamos intelectualmente distraídos, amorfos, preguiçosos, viciados.

Perdemos “a consciência do pensar”, nas palavras de Joana Rita Sousa, mentora da Oficina do Platão, um projeto de Filosofia para crianças dinamizado no Centro Ser Mais - Educação e Saúde em Movimento, em Telheiras, Lisboa. Nos tempos livres, tão importante quanto fazer o TPC ou brincar é “exercitar o pensamento”.


O que é uma oficina de filosofia?

"Aqui, nós aprendemos o que as coisas são, o que são as palavras. andamos a ver o que existe, o que é real, explicamos as palavras e as perguntas!", diz Marco, um dos alunos participantes na Oficina do Platão, experiência que já funciona há 3 anos e que estimula, a FORUM comprovou ao vivo, o poder de debate e de argumentação, bem como a tolerância.

Mariana, Catarina, Diogo, Francisco, Carlota, Laura, Rita, Sofia e Mário, todos entre os 11 e os 13 anos, frequentam esta oficina de filosofia que pretende ser “um espaço e um tempo para parar para pensar, treinar o olhar crítico, explorar possibilidades e investigar - em conjunto”. “Fazemos perguntamos, damos respostas, às vezes fazemos jogos, pensamos”, resume Mário sobre a ordem de trabalhos.

“Nas oficinas, procuramos identificar problemas, sob a forma de perguntas, para investigar em conjunto”, explica Joana Rita Sousa. Este trabalho pode partir da leitura de um texto ou de uma notícia de jornal, por situações vividas pelos participantes ou até imagens ou vídeos. A partir daí, explica a mentora desta oficina, constroem-se “condições para o diálogo, estabelecendo algumas regras, como por exemplo, para falar, pedimos a palavra”.

 


“Nas oficinas, procuramos identificar problemas, sob a forma de perguntas,
para investigar em conjunto”
Mário, estudante da Oficina do Platão


 

Em comum, todos os exercícios partem de “uma pergunta que seja um problema”. “[Aqui] não há uma grande preocupação com respostas certas ou erradas, mas mais com as perguntas: os problemas”, reforça.

 

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Um ginásio mental

“Estas oficinas equivalem a um treino de ginásio: em vez dos músculos do corpo, trabalhamos os músculos do pensamento”, explica a responsável, completando a comparação: existem, por exemplo, exercícios de resistência (verificar se uma ideia é forte, se há boas razões para a aceitar e se resistem aos argumentos contra) ou de flexibilidade (será que eu sou capaz de defender o ponto de vista do outro? E se eu mudar de ideias?).

De resto, reforça a mentora do projeto, o foco do trabalho passa por “trabalhar com as ideias uns dos outros”. “Podemos adotar perguntas e ideias dos amigos, oferecer perguntas, explorar hipóteses de respostas, descobrir outros pontos de vista e, sobretudo, construir um espaço de liberdade onde posso dizer aquilo que penso, sem que seja julgada por isso”, explica, salientando que testar ideias, avançar ou voltar atrás são processos que fazem parte do processo que conduz ao aprofundamento filosófico.

Joana Rita Sousa assume-se, no seu blogue, defensora do conceito de filocriatiVIDAde, que é como quem diz filosofia e criatividade. Uma receita que considera fundamental para motivar os estudantes, em sala de aula.

Tão importante como saber o que pensaram Aristóteles, Kant ou Descartes, sublinha, é encontrar temas urgentes e saber pensar pelas nossas cabeças, procurando formar cidadãos melhores e mais esclarecidos. “Precisamos de procurar um começo fresco – ver quais são os problemas que realmente nos apoquentam hoje”, sugere também Mary Midgley. “E, se não formos nós próprios a fazê-lo, é difícil ver quem o poderá fazer por nós”. Fica o aviso.

Para que serve a Filosofia?