Um conjunto de nove Associações Académicas reuniram-se para manifestar-se no Dia Nacional do Estudante. A manifestação decorreu hoje, dia 24 de março, com início às 15h no Terreiro do Paço, e tendo como destino a Assembleia da República. Os estudantes pretendem um maior investimento no ensino superior, para que seja acessível a todos.

José Pinho é aluno de mestrado e esteve na manifestação a representar a Associação de Estudantes da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Em conversa com a Forum, revelou os motivos para ter-se unido ao movimento: “dentro das várias reivindicações concretas que cada faculdade tem, apresentamos três elementos concretos a nível estrutural: a questão da gratuitidade, a questão da ação social e a questão do alojamento”. Para que os problemas relativos a estas questões sejam resolvidos, “é necessário investir no setor da educação, nomeadamente no ensino superior, para que os estudantes consigam desenvolver as competências e desenvolver-se enquanto pessoas que estarão à frente do nosso país daqui a uns anos”, reitera José Pinho. 

Alguns alunos acreditam que o ensino superior deveria ser gratuito, proporcionando uma maior equidade no acesso ao mesmo. Este é o caso de Lara Fernandes, que se deslocou desde a Universidade do Minho até Lisboa para estar presente na manifestação. “Viemos defender a causa que acreditamos. O ensino superior deveria ser gratuito, deveria ser um direito de toda a gente conseguir aceder às universidades e não apenas aqueles que têm mais possibilidades monetárias”, declara. Apesar de serem atribuídas ajudas a alguns estudantes, através de bolsas, “as ajudas não são suficientes para cobrir todas as despesas do ensino superior”.

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Também da Universidade do Minho, e a acompanhar Lara, Sara Pereira acrescenta outro problema ao qual considera que já deveria ter sido apresentada uma solução: o problema do alojamento. “O alojamento é uma questão preocupante, principalmente para a Universidade do Minho. Não há alojamento suficiente para todos os alunos que necessitam, e é algo que precisa de ser resolvido”, refere a estudante.


"É práticamente impossível ser estudante em Lisboa"


Os estudantes na manifestação acreditam que a questão do alojamento é de extrema urgência em todas as cidades. Mas é em Lisboa que se concentra o foco desta questão, pelo preço do aluguer da habitação. A representar a Associação Académica da Universidade de Lisboa, Hugo Falcão Ramos afirma que “é praticamente impossível ser estudante em Lisboa neste momento. A questão das propinas é uma questão nacional, mas em Lisboa há muitos custos associados para um estudante, principalmente deslocado, que tem custos de habitação, transporte e alimentação que, por vezes, superam em muitas centenas de euros o valor das propinas”.

Luta pela equidade e ascensão social através do estudo

A Manifestação, que teve também como objetivo homenagear todos aqueles que se sacrificaram nas lutas da década de 60, pretende também continuar a reivindicar a liberdade. No caso, a prossecução de um caminho que vise garantir uma verdadeira liberdade do acesso à educação, de escolha e de equidade, onde o “elevador social” seja uma realidade e não uma miragem.

Outra questão levantada por grupos de estudantes é a dos estágios não remunerados, que acabam por impossibilitar os estudantes com menos posses de acesso às mesmas oportunidades de ter uma rampa de lançamento no mercado profissional. 


"Os estágios não remunerados fortalecem a desigualdade"


Apesar de o Parlamento Europeu ter condenando estágios não remunerados em instituições, órgãos e agências da EU porque, de acordo com o Parlamento, “os estágios não remunerados fortalecem a desigualdade ao limitar as oportunidades a pessoas de origens mais favorecidas”, recorrer a estagiários não remunerados para “colmatar falta de contratados” é uma prática comum de muitas empresas.

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Cátia Fernandes, estudante da Universidade de Trás os Montes e Alto Douro, revela que este é o principal motivo pelo qual fez questão de marcar presença na manifestação. “É verdade que aprendemos no mercado de trabalho, mas temos de ser motivados para dar continuidade à nossa área, da comunicação. Muitas vezes, somos utilizados durante o período de estágio para produzir um trabalho. A vida não está fácil, muito menos para os nossos pais. Estarem a manter-nos para trabalhar gratuitamente não é justo nem compensatório, nem motiva os estudantes a dar continuidade à área”, diz Cátia.

Também estudante da mesma instituição, Maria Faria, contou a sua experiência à Forum: “eu estagiei, durante 120 horas, e o meu estágio não foi remunerado. Teve custos para mim, e embora tenha aprendido, gostaria que o meu trabalho tiuvesse sido reconhecido”. Acrescenta ainda que “é importante que o governo comece a dar mais atenção a todos nós, estudantes universitários, que precisamos do apoio não só a nível de bolsas, mas também nos estágios”.

Importância dos estudantes para a evolução do país

Há 60 anos decorreu a primeira grande crise académica no tempo do regime ditatorial do Estado Novo. Esta rebelião foi, em certa medida, o ponto de partida de um conjunto de episódios políticos que demonstraram abertamente o descontentamento e luta do movimento estudantil face ao regime, aos quais se juntariam milhares de jovens universitários naquelas que seriam várias as ações reivindicativas na década de 60 e que contribuíram para a instabilidade e consequente queda do regime a 25 de abril de 1974.

“A derrubada da ditadura começou justamente pelo movimento estudantil, e se não fosse este movimento a história seria escrita por outra caneta. É inegável o poder que a juventude tem no nosso país e é muito bom ver que continuamos a manifestar-nos e a bater-nos pelos nossos interesses e pelas bandeiras que queremos lutar e ver concretizadas”, disse-nos Hugo Falcão Ramos.

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O movimento associativo comemora os 60 anos da crise académica de 1962, lembrando todos aqueles que, embebidos de coragem, assumiram-se contra o regime e a favor da liberdade, sofrendo as consequências de um estado opressor e totalitário. É graças a este tipo de atos irreverentes que temos hoje a oportunidade de viver num regime democrático, onde existe um sistema plural de instituições e uma verdadeira separação de poderes.

“Não há comparação possível entre o período da ditadura e o período atual. Após o 25 de abril houve muitas conquistas, nomeadamente para o ensino superior”, declara José Pinho. “Contudo, muitas conquistas têm sido sistematicamente retiradas, como a implementação das propinas, a questão do subfinanciamento da ação social e das próprias instituições”. Acrescenta também que “a questão da democracia nas faculdades tem sido atacada desde o início dos anos 2000, retirando os estudantes dos órgãos de decisão das faculdades”.

Hoje, dia em que faz 60 anos da crise académica, “prova-se que tanto no passado como no presente os estudantes têm que assumir o seu papel reivindicativo, lutando por melhores condições e mais direitos para o ensino superior”, finaliza José Pinho.