Olá, Cupido. Tudo bem?

[silêncio] Mais ou menos… Eu não… Quer dizer… [silêncio]. É uma altura difícil do ano para mim [silêncio].

A chegada do verão costuma ser divertida. O que se passa?
É precisamente esse o problema. Porque é que acham que o verão é divertido? Experimentem ser a pessoa responsável por todos os amores de verão. Ainda nem começou o verão e já tenho o cestinho das setas quase vazio. Isto ainda vai piorar e muito. Não há setas que cheguem nem cupido que aguente este ritmo.

Quer dizer que não há férias…
[irritado] Férias?! No verão nem consigo sequer respirar. Disparo setas, em média, de três em três segundos. Bailarico de verão? Lá vai uma seta. Festa na piscina? Toca a trabalhar. Festival de verão? Lá tem o Cupido de entrar de serviço. É desesperante.

Sempre pensámos que o Dia dos Namorados seria a altura mais complicada.
Essa é boa. Comparado com o verão, o São Valentim é um passeio. O Dia dos Namorados serve para os casais que já estão formados, são setas que já disparei há mais ou menos tempo. O verão é terrível porque há mil e uma paixões por se formar, sendo que cada uma corresponde a duas setas, pelo menos. O que, multiplicando, ora dois vezes mil, mais dois, vai um... Dá mais de três mil e... dois mil e... É só fazer as contas.

 


 

"As pessoas têm todo o direito de se apaixonar. Mas tenham em conta que
não durmo há três dias e que a minha mulher já me ameaçou meter as malas à porta". 

Cupido, cupido

 


 

E culpa as pessoas por esse trabalho extra?
[silêncio] Ouça, eu não quero arranjar problemas. As pessoas têm todo o direito de se apaixonar. Mas tenham em conta que não durmo há três dias e que a minha mulher já me ameaçou meter as malas à porta. 

 

Qual poderia ser uma solução?
Olhem, e que tal começarmos a associar outras alturas do ano ao amor? Tipo, sei lá, as pessoas começarem a pensar que podem conhecer alguém durante um magusto, ou encontrar o amor da vida delas numa paragem de autocarro, quando se refugiam da chuva. Parece-me razoável.

Porque é que acha que chegámos a este ponto?  

Olhem eu não sou de apontar dedos, a minha área é mais apontar setas. Mas um dos claros responsáveis, como em tantas outras coisas, é o José Malhoa. Aquela história do bailarico de verão e do beija-beija atrás da igreja marcou gerações! E ainda mete um padre a ajudar, diz ele. Nunca vi ninguém ajudar-me. No final, sobra sempre para o mesmo.

 


 

(...) e que tal começarmos a associar outras alturas do ano ao amor? Tipo, sei lá, as pessoas começarem a pensar que podem conhecer alguém durante um magusto, ou encontrar o amor da vida delas numa paragem de autocarro. Parece-me razoável (...)
Cupido, cupido


 

 

Tem visitado muitos bailaricos?
[silêncio prolongado] Ouça, honestamente, já parece que estão a gozar comigo. Têm noção dequantos bailaricos de verão existem em Portugal? Eu também não. Mas posso garantir que são muitos. Hoje, já estive em Freixo de Espada à Cinta, passei por Alhadas e ainda fui dar um salto a Penedono. Digam-me se isto é normal…

Há algumas terras especialmente difíceis?
Se eu vos contasse tudo. Portugal tem aldeias com nomes estranhos e que me complicam a vida. Estou a falar de aldeias como Namorados, em Castro Verde, Paixão, em Celorico de Basto, Amor, em Leiria ou Solteiras (imaginem!), em Tavira. Como é de calcular, os habitantes ficam mais entusiasmados, nesta altura do ano.

Mas faz este trabalho com gosto?
Claro que sim. Não há nada como mandar uma flechada num casalinho e ver como ficam felizes. O verão é mágico também por isso. Estou cansado, é certo, mas sinto que sou parte da razão pela qual as pessoas esperam por esta época, durante o resto do ano.

Alguma mensagem final que gostaria de deixar aos nossos leitores?
Não se preocupem comigo. Posso estar sem dormir durante três meses, mas estarei sempre pronto a apontar as minhas setas a quem quiser arriscar. Deixo uma dica: não fiquem só por gostos enigmáticos Instragram e pelas mensagens enigmáticas no Whatsapp. Se pensarem duas vezes sobre alguém, poderá não valer a pena ficar só à espera de pensar uma terceira. Lindo, ainda estou a arranjar lenha para me queimar. Esta entrevista vai sair onde mesmo?