Atuar em grandes recintos – como o do Passeio Marítimo de Algés -, arriscar tal intimismo e, ainda assim, concentrar as atenções de multidões não é para todos. Era uma vez três rapazes naturais de Teignmouth, Devon, na Inglaterra, todos eles exímios nos seus instrumentos. Isso é algo que, tanto tempo e fantasias em palco depois, continua a ser uma verdade absoluta. Matthew Bellamy tem um timbre único, que chega a decibéis supersónicos, para além de tocar piano e guitarra com idêntica mestria. Mas, no campeonato dos talentos, Christopher Wolstenholme e Dominic Howard - baixista e baterista, respetivamente - não lhe ficam atrás: com as suas personalidades aparentemente mais tímidas têm, talvez, a sorte de não ter de carregar o fardo de ser o frontman deste projeto. 

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Falando sério, há muito que os Muse já não são “um projeto”. De novo em Portugal, a propósito da digressão de 'Simulation Theory', o seu oitavo álbum de estúdio, o trio voltou a surpreender. A cada tour inventam novas ilusões, acrescentam camadas ao que já lhe conhecemos. Deixam-nos literalmente de queixo caído. Épico, deveria vir escrito no dicionário na palavra Muse. Aconteceu por exemplo na reta final do espetáculo quando um insuflável gigantesco de um esqueleto de repente se materializou em palco. Sabem aquele momento do filme 'O Sexto Sentido' em que tudo faz sentido (perdoem o eco) e nos sentimentos tolos por não termos visto o óbvio à nossa frente? Pois, foi assim. Se três pessoas tão especiais não incomodam muita gente, os efeitos especiais por elas congeminados incomodam muito menos. Balões gigantes e confetes são já uma imagem de marca dos seus shows. Mas, ao longo da hora e meia de espetáculo, as ilusões não se ficaram por aí. Nem pensar.

Nos concertos dos Muse – mesmo naqueles cujo alinhamento, como o de ontem, nas suas 25 canções podia perfeitamente ter recuperado mais temas antigos e não apenas os fabulosos 'Plug in Baby' ou 'Time Is Running Out' – a dificuldade é saber para onde olhar: há bailarinas e coreografias, fumos e néones aos molhos (dos óculos à sola dos sapatos), ecrãs e bombos gigantes, exosqueletos, figuras virtuais que ganham vida, coisas que de tão "uau" o nosso cérebro custa a assimilar o que é que está a ver. “É um pássaro, é um avião? Não são os Muse”.

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Mas não substimem tamanho aparato visual: nos seus concertos há também uma forte mensagem política de incentivo à rebelião interior e exterior. No meio de tanta tecnologia, houve pequenos detalhes de humanidade, com Bellamy a caminhar no fosso cumprimentando os fãs ou a exibir uma bandeira de Portugal. E pensar que este romance começou no festival Ilha do Ermal, em 2000. Imaginar o "universo Muse" confinado à Aula Magna (Lisboa) também nos parece impossível agora, mas aconteceu dois anos depois dessa estreia em palcos nacionais.

Desde então, os músicos reinventam-se, pensam deliciosamente fora da caixa, arriscam, produzem espetáculos caros e ousados, ilustrando hinos que nos deixam ligados à corrente. É assim há 14 concertos por cá e apostamos que voltarão para muitos outros. Só não sabemos é que enredo visual nos contarão então. Isso é a sua musa que decide.

(Fotos de Nuno Andrade)